As bicicletas e o Sertão Carioca



Para você o que é ter qualidade de vida?

Para mim é ter tempo. Essa valiosa moeda do mundo contemporâneo, está cada vez mais escassa. Segundo um estudo publicado em dezembro de 2014 pela FGV, o carioca gasta, em média, 50 minutos no trajeto de casa para o trabalho. Em uma cidade com obras olímpicas por todos os lados, a mobilidade urbana têm se tornado pauta até em mesa de bar.

A causa do estresse diário de grande parte da população é o trânsito. A idéia de que o carro é sinônimo de prazer, conforto e benefício é difundida de forma esmagadora, mesmo sabendo-se que o transporte de massas é conhecido por sua superioridade funcional. O automóvel não pode ser crucificado e tem lá sua utilidade, mas sua adoração nas grandes cidades denuncia sua principal falha: automóveis em excesso, perdem sua funcionalidade. Além disso, a quantidade de automóveis ocupados somente pelo motorista chama a atenção. Estamos caminhando para a saturação da nossa malha urbana.

O mito brasileiro do automóvel como solução de problemas individuais vem permeando desde a década de 20 com o Plano Agache, continuada na década de 50 com a máxima “governar é abrir estradas” de Juscelino Kubitschek e na década de 70, no caos urbano devido a quantidade de automóveis nas ruas graças ao Milagre Econômico. Mais carros, mais ruas. Mais ruas, mais carros.


Agora junte as últimas peças desse quebra cabeça. Nos últimos anos, o cenário brasileiro se apresentou em um quadro de crescimento econômico, aliado à política de inclusão social, valorização do salário mínimo e disponibilização do crédito resultando no surgimento da nova classe média. Além disso, recentemente, a redução do IPI sob a justificativa de tornar o preço dos automóveis brasileiros mais competitivos, acaba por dar o estímulo que faltava à população para comprar mais automóveis.

Os automóveis mudaram profundamente o comportamento social e transformaram o “ir e vir” em um simples ato de locomoção, sem ocupar ou observar a cidade em que se vive. Em lugares onde não se anda à pé, os olhos não estão presentes nas ruas, e isso fragiliza a segurança urbana e resulta na construção de grandes paredões protetores onde só haviam casas térreas de muro baixo, característica marcante dos subúrbios.

Apesar do caos nas cidades, bicicleteiros suburbanos estão protestando silenciosamente com a simples presença de suas bicicletas no trânsito. Muitos deles, senhores, usando bicicletas enferrujadas e cruzando metade da cidade para ir trabalhar, são mais ativos do que muito cicloativista. Eles têm uma importante lição a nos ensinar:

Você já pensou numa vida sem carro? 

Quem pedala descobre que economiza tempo, já que a bicicleta é o veículo mais eficiente num raio de até 10km. Segundo a ONG Transporte Ativo, um ciclista comum transita a 16km/h. Pedalar um trecho de 6km – ou menos – em áreas urbanas leva menos tempo que dirigir a mesma distância . E para distâncias entre 6 e 10km, o tempo é o mesmo. Para distâncias maiores, ainda assim, há economia de tempo pois o exercício diário é feito durante a locomoção. Atividades como esperar o ônibus e procurar vaga não estarão mais comendo seu tempo. Quem pedala economiza dinheiro, já que é um meio de transporte democrático de baixo custo, não consome combustível e possui pouca manutenção. Qualquer um pode pedalar, pois é um meio de transporte democrático e aconselhado para todas as idades. Além disso, é também um exercício físico benéfico para a saúde e de baixo impacto.

A partir do momento de (re)descoberta desse maravilhoso meio de transporte, minha vida foi sendo guiada pelos caminhos das minhas duas rodas. Além de todos os prós envolvendo as economias que a bicicleta traz, existe também o benefício mental. Estar em maior contato com a rua, afinou a membrana invisível que separa o nosso universo íntimo do ambiente em que vivo. Sem as carcaças de aço dos carros ou ônibus sendo intermediárias entre meus olhos e a vida cotidiana da minha comunidade, pude perceber que observar pequenas sutilezas e outras amenidades me transformaram pouco a pouco. A redução da minha velocidade perante à rapidez da vida moderna passou a me permitir captar de forma mais natural e o que não se vê enquadrado pela janela dos automóveis.

Invisíveis aos olhos de quem leva a vida na velocidade do carro, o número de pessoas que usam bicicleta como meio de transporte têm crescido, e isso é ótimo porquê quanto mais pessoas andando de bicicleta, mais segura essa atividade se torna. Isso acontece - entre muitas coisas - principalmente por conta do aumento da visibilidade do ciclista nas ruas, pelo natural aumento da ocupação das ruas pelos ciclistas. 

Aliado a isso, estamos em um momento de crescimento da infra-estrutura cicloviária na cidade do Rio de Janeiro, mas ainda temos números tímidos no sertão carioca. Situação essa, que em breve poderá mudar. O movimento "Quero ir de bike das Vargens à praia" tem como objetivo mostrar o clamor público às autoridades e sobre a importância e urgência das obras na Estrada do Rio Morto. Participe do evento no dia 1º de maio e seja parte dessa mudança.

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Carolina Queiroz é arquiteta, urbanista e ciclista. Coordena o projeto Bicicleteiros Suburbanos e faz parte do Coletivo Circuitural.






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