O Sertão Carioca por Egeu Laus



Não. Não sou um saudosista. Acredito que o futuro sempre terá chances de ser melhor que o passado. Mas há algo nele, que sempre me atraiu, talvez porque, imobilizado (há controvérsias...), ele não tem mais como discutir comigo e posso enxergá-lo como eu quiser.

Por outro lado, tenho a certeza de que o futuro será melhor se aproveitarmos, de algum modo, a experiência e a história do que já foi. Já que o futuro será sempre o acúmulo de camadas de eventos construídos pelas relações, pelo trabalho e pelo esforço humano. É uma questão de respeito. Saber chegar é reconhecer que você não é o primeiro, respeitando a história de quem por ali passou.

Por isso, quando me interesso por um assunto, sempre se coloca a pergunta: Como era antes? A paisagem humana e principalmente a natural, sempre me evoca essa linha do tempo em direção ao passado. Ao ver casas e prédios, por exemplo, na região do Recreio dos Bandeirantes, sempre tento imaginar a paisagem há 50, 100 anos atrás: por que e como mudou? Esse exercício é permanente para mim.



Esse olhar para a linha da história parece que é natural em algumas pessoas. Foi assim quando conheci Flávio Machado, na época fazendo a cobertura da Flupp – Festa Literária das Periferias, na sua edição do Morro dos Prazeres em 2012. Veio tomar um café aqui em casa e conversamos sobre suas ideias sobre a história do chamado “Sertão Carioca”. Pensava em realizar um extenso documentário e me convidou para ajudar nas pesquisas. Fiquei fascinado. Minha primeira providência na semana seguinte foi correr atrás do livro de Magalhães Corrêa, publicado em 1936. Raríssimo, paguei uma nota preta encomendando pela Estante Virtual. O impacto foi semelhante ao que tive ao ler “O Homem e a Guanabara” de Alberto Ribeiro Lamego (aliás, relançado recentemente pela editora do IBGE).

Os bicos de pena que ilustram o livro lembram-me também o Percy Lau, desenhista do IBGE, com quem eu “viajava” pelo Brasil lendo a série de publicações “Tipos e Aspectos do Brasil” mais tarde enfeixadas em volume único. Essa preocupação com a preservação da natureza corresponde a um período no início dos anos 30 onde o assunto tomou conta de parte dos intelectuais brasileiros (lembrando que em 1934 uma nova Constituição foi promulgada na esteira do fim da República Velha). Neste mesmo ano é realizada a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, realizada no Rio, então Distrito Federal, capital da República.

Armando Magalhães Corrêa era um artista completo, sendo também pintor e escultor. Era um naturalista amador, tendo trabalhado alguns anos na área de conservação do setor de História Natural do Museu Nacional do Rio de Janeiro, desenhando flora e fauna. Por conta disso realizava constantes incursões aos interiores do nosso estado da Guanabara, percorrendo Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Guaratiba e a área do maciço da Pedra Branca. Acabou comprando um sítio em Jacarepaguá (valeria a pena tentar localizar este sítio, e se ainda existe).

Magalhães Correa se tornaria professor do Museu Nacional e da Escola de Belas Artes. Mas o seu livro “O Sertão carioca” tornou-se um marco na história da região e continua servindo de referencia aos que querem valorizar a história e a cultura de Jacarepaguá e Barra da Tijuca.

Recentemente tenho acompanhado a movimentação que os operadores culturais da região tem realizado principalmente em torno do grupo de ativistas do Fórum Permanente de Artes e Artistas da Área de Planejamento 4 (AP4). AP4 é como é nominada a região pela administração da Prefeitura do Rio. A Cultura da região vai ganhar em muito com o trabalho desse grupo e acredito que um GT dedicado ao levantamento histórico da região pode contribuir para valorizar e fortalecer o território. Existem muitas pesquisas acadêmicas sobre a história e o patrimônio da área e podem constituir um acervo interessante para o Fórum da AP4.

Meio-Ambiente, Educação, História e Cultura cada vez mais vão caminhar juntos e nosso trabalho é proporcionar esses encontros. O “Sertão Carioca” está vivo e pulsante!

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Egeu Laus é designer e gestor cultural. Foi secretário-adjunto de cultura de Nova Iguaçu e trabalha ajudando a desenvolver Redes Culturais. Coordena o projeto Viajantes do Território na região portuária e participa do Projeto Coletivo Indigenas Urbanos.







Ilustrações de Armando Magalhães Corrêa

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