O Sertão Carioca por Reinaldo Sant'ana


A grande Jacarepaguá é um bairro da zona Oeste do Rio de Janeiro. Localiza-se na Baixada de Jacarepaguá, entre o Maciço da Tijuca e a Parque Estadual da Pedra Branca; e na beira norte das lagoas de Jacarepaguá e Tijuca. O ponto culminante da cidade, o Pico da Pedra Branca. Através da maioria de índios Tupinambás e em menor número, os Guaranis, seu povoamento começou há cerca de 800 anos.

A Colonização destas terras se deu em 1567, dois anos após a fundação da cidade do Rio de Janeiro, quando Salvador Correia de Sá assumiu o cargo de primeiro governador da nova cidade e concedeu a dois auxiliares da administração, Jerônimo Fernandes e Julião Rangel, as terras de Jacarepaguá. Porém, Jerônimo e Julião nunca tomaram posse das Sesmarias concedidas. Mais tarde, em 1594, o governador Salvador Correia de Sá revogou o ato anterior e doou as Sesmarias para seus filhos Gonçalo e Martim. A data da carta da concessão é de 09 de setembro de 1594.

Os dois irmãos iniciaram a colonização de Jacarepaguá, principalmente Gonçalo. Martim dedicou-se mais à política. Foi governador do Rio de Janeiro, em dois períodos, no início do século XVII. Martim casou-se com a espanhola Maria de Mendonza e Benevides. Desta união surgiu a dinastia Sá e Benevides de grande importância na história de Jacarepaguá, principalmente seus sucessores: os Viscondes de Asseca (tem sua estátua na Praça Seca - que se chama Praça Visconde de Asseca).

Nas primeiras décadas do século XVII, Gonçalo fundou o engenho do Camorim, e dentro do engenho, a capela de São Gonçalo do Amarante, que ainda existe nos dias de hoje. No mesmo período, surgiram outras edificações na atual Freguesia que perduram até hoje: a Sede do Engenho D’Água e a Igreja de Nossa Senhora da Pena, no alto da Pedra do Galo. Na época, essa região de Jacarepaguá já possuía razoável povoamento, em virtude dos diversos arrendamentos feitos pelos Correia de Sá.

Jacarepaguá era a região da cidade com mais engenhos de açúcar da época colonial. Os principais eram o Engenho da Taquara, o Engenho Novo (atual Colônia Juliano Moreira), Engenho do Camorim, Engenho D’Água, Engenho da Serra (atual da estrada do Pau Ferro e as encostas da serra da atual Estrada Grajaú-Jacarepaguá) e Engenho de Fora (atual região da Praça Seca).

Os braços negros de Jacarepaguá, como o do Brasil, se prolongaram e tiveram uma grande concentração, pois em nosso país foi onde aconteceu a maior e mais longa escravidão urbana do mundo. E no Rio de Janeiro (antiga capital) este perfil se arrastou muito, o escravo tinha mais independência do que no campo (nas fazendas monocultoras de cana de açúcar e café). 

Nestes subúrbios das cidades, havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, famílias em festas e confrarias religiosas realizadas em praças públicas, e a presença do senhor era menos opressiva ou ausente (vide a tradicional festa de São Jorge em Jacarepaguá). Os escravos, mestiços, forros, libertos circulavam fornecendo serviços e podiam ser alugados. Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, "escravos de ganho", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes. Criando assim as diferentes festas e manifestações populares de nosso bairro, a exemplo da Feijoada da Colônia Juliano Moreira (tem aproximadamente 127 anos, pois foi assumida pelos funcionários do hospital até os dias de hoje).

O século XX chegou quando a jovem República completou onze anos. E as terras de Jacarepaguá enfrentaram uma perda do domínio das áreas agrícolas. O café perdia completamente o seu domínio e a atividade granjeira já marcava a sua presença. As chácaras se multiplicavam, a cada ano, para abastecer o mercado do Centro, com produtos diferenciados e o pequeno abastecimento de outros bairros próximos da cidade, que, na época, já possuíam aspectos bem mais urbanos. Jacarepaguá, acolhia as festas rurais ainda. Uma mescla de cultura da Senzala, indígena e portuguesa rural, não abdicando de acolher as novidades do progresso da metrópole do Rio de Janeiro em iluminação elétrica, entre outros.

Com o passar dos anos, a transformação do Bairro de Jacarepaguá terminou mudando completamente a fisionomia agrícola que vinha dos tempos coloniais. Começou a acontecer a partir da década de 1970, com a implantação de grandes indústrias. Surgiram os enormes conjuntos residenciais e os loteamentos legais e clandestinos (favelas). Assim, a população cresceu demasiadamente, fazendo Jacarepaguá uma cidade grande dentro de outra cidade, com todos os problemas inerentes dos intensos centros populacionais. Não veio ao nosso bairro as benesses de teatros e cinemas, para nosso desespero ainda perdemos os existentes.

Apesar das mudanças, ainda há lugares, como a Vargem Pequena e Vargem Grande (antigo Sertão Carioca), que servem de amostra da época agrícola do bairro. Há também rico patrimônio de construções coloniais: igrejas, sedes de engenhos, senzalas e um aqueduto. Tudo com os dias contados, pois este bairro vem mudando a cada dia, com uma extrema contribuição do poder público.

As fragmentações do Bairro começam com o prefeito Júlio Coutinho (1981), que separou a parte litorânea com os bairros de Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes. Mesmo assim, Jacarepaguá ainda continua com toda a parte do vale atrás das lagoas, sendo o maior bairro da cidade, depois de Campo Grande. Doze anos depois, em 1993, o prefeito Cesar Maia separou outros dez núcleos urbanos como bairros próprios: Anil, Curicica, Cidade de Deus, Freguesia de Jacarepaguá, Gardênia Azul, Pechincha, Praça Seca, Tanque e Taquara. Hoje esses bairros junto com Vila Valqueire e o próprio Jacarepaguá, fazem parte da Área Programática (AP) 4 da cidade.

Nesta Área Programática é que registramos um dos maiores e mais importantes crescimentos da cidade, com um dos metros quadrados que mais encarecem por ano. Não temos nenhum investimento da cultura nela, pois até os dias de hoje só temos como espaços públicos uma Lona, que não dialoga com a região; um centro cultural em construção constante e uma biblioteca, desatualizada. Precisamos urgente da implantação de uma Arena Cultural, uma Nave do Conhecimento e um eco-museu de todo o Sertão Carioca. Além de pensar um investimento gestacional e de residência artística nos espaços existentes.

Estamos no eixo central dos Jogos Rio 2016, que tem firmado parcerias para desenvolver projetos em comunidades carentes, que por meio do esporte, vão promover a inclusão social de crianças e adolescentes que vivem em situação de risco na cidade do Rio de Janeiro, contribuindo também para a melhoria da qualidade de vida da comunidade próxima. Também estão previstos projetos educacionais de desenvolvimento de liderança jovem; de fortalecimento do capital humano, com programas de jovens aprendizes; de envolvimento de comunidades pacificadas (UPPs) para ações de sustentabilidade; de melhoria dos padrões de acessibilidade de equipamentos culturais públicos para pessoas com deficiência; e de fomento à cultura local.

Na teoria, esta iniciativa representa um importante legado social dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, à medida que possibilitará o desenvolvimento de projetos de amplo alcance social, além de criar novas oportunidades para a juventude de comunidades menos favorecidas. Onde está o diálogo com estas comunidades em nosso Bairro? Os artistas locais nem foram procurados para as promessas de contribuir para a inclusão social, cultural e econômica de jovens, por intermédio do esporte.

Está se configurando no nosso território um embranquecimento (as favelas e comunidades tradicionais estão sumindo), descaracterização com a total fragmentação do Bairro (criação da Nova Barra e Barra Olímpica) e transformação em uma Beverly Hills caríssima. 

Eu, como um cidadão e artista deste amplo território ameaçado, preocupo-me de não ver mais uma rezadeira, parteira, bate-bola, folia de reis, bloco de enredo, procissões de santos, batismos coletivos evangélicos, festas de casas de santo, feiras livres de bairro e pessoas dando bom dia, boa tarde e boa noite. 

Foram criados diversos grupos de trabalho e em nenhum nossos agentes culturais, lideranças, artesãos e comerciantes locais foram chamados para diálogo. Por enquanto, em mais de 400 anos de história, estamos sendo varridos para debaixo do tapete e esquecidos como uma bola de problemas, remoções e de invisibilidade. 

Peço, neste momento, que estamos há mais de um ano dos Jogos Olímpicos, um olhar para esta região e salvá-la do desaparecimento.

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Reinaldo Sant'ana é diretor do grupo teatral Entrou por uma Porta, e tem expressiva participação nos movimentos de gestão cultural da Zona Oeste. É um dos coordenadores do movimento Visão Suburbana.

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